terça-feira, 2 de novembro de 2010

O filho da noiva



Como seria se você percebesse que as saídas para sua vida estão em um recomeço? Esse é o mote do roteiro de Juan José Campanella e Fernando Castets para o filme “O filho da noiva” (El hijo de la novia), lançado em 2001. Rafael (Ricardo Darín), um homem na faixa dos 40 anos tem um enfarte e se dá conta de que sua escolhas necessitam serem revistas e decide recomeçar.

Cartaz do filme "O filho da noiva"


Separado e com uma filha, Rafael tem um novo relacionamento e administra o restaurante Belvedere, fundado por seus pais há muito tempo. As dívidas com os fornecedores, seu medo de lidar com a vida e o reaparecimento de um amigo de infância são os detonadores da trama. Seguindo o formato de um herói contemporâneo, repleto de dúvidas e da crueza necessária para encarar a vida atual, Campanella construíu uma narrativa sensível, mesclando a doença da mãe do personagem, Alzheimer, com o desejo do pai de Rafael, Nino (Héctor Alterio) de realizar o único desejo que não foi possível na época: casar-se com a esposa na igreja.

Internada em uma clínica, Norma (Norma Aleandro) vive em um mundo sem história, como uma criança que não se lembra do passado. Pouco visitada pelo filho, mas presente nas memórias dele, após o enfarte, Rafael começa a reatar o contato com a mãe e cai em um dilema delicado quando o pai pede ajuda para se casar com Norma, mesmo estando nessas condições.

Rafael se aproxima da mãe e de si mesmo

Decidido a transformar sua vida, Rafael vende o restaurante com o desejo de ficar mais perto da filha, da namorada e dos pais. Uma cena muito interesse é quando Rafael está na igreja conversando com o padre. O reverendo informa que não será possível realizar o casamento, pois discernimento é uma das chaves do casamento. E Rafael informa que se soubesse disse, não teria se casado da primeira vez, pois estava enlouquecido pela paixão.

Outro momento de uma pureza incrível é quando Rafael e sua filha Vick (Gimena Nóbile) estão em uma lanchonete e a menina comenta que ganhou o segundo prêmio de poesia. O pai abre o caderno e descobre, pela primeira vez o universo da filha. Ao ler o poema, fica totalmente emocionado e pertubado, pensando em como pode demorar tanto para conhecer a produção/vida da filha. Darín demonstra com maestria o conflito desse pai que estava entregue aos problemas e esqueceu-se de si.

Sem saídas para realizar o sonho do pai, Rafael encontra no amigo Juan Carlos (Eduardo Blanco), a saída para os seus problemas. 

Junto com o amigo, a namorada e a filha, Rafael passa a ser mais livre para mudar

“O filho da noiva” é um filme bastante delicado e perfeitamente real, partindo de questões comuns amplificadas pela lente do diretor que transforma seu filme em um doloroso poema contemporaneo, repleto de nuances e reconhecimento.

 Assista um trecho do filme

Adendo Poético - Ricardo Darín


Como apaixonado por cinema e cultura latino-americana, tive a oportunidade de conhecer uma das cidades mais bonitas que eu já estive: Buenos Aires.

A viagem foi tão incrível, que tinha até Ricardo Darín em temporada com o espetáculo “Art”. Não pude deixar de tietar e tive que tirar uma foto com ele. Desculpem a falta de enquadramento, mas estava tão encantado com esse presente dos céus, que não conseguia nem fotografar de tanto que tremia.

Segue a foto dessa surpresa que Buenos Aires me deu. 

 Essa surpresa não estava no roteiro!

sábado, 23 de outubro de 2010

Elsa & Fred


Trailer do filme "Elsa & Fred"


Você pretende assistir um filme que fale de amor, vontade de realizar sonhos e quem sabe, mudar paradigmas? Então, é o momento de assistir “Elsa & Fred”, uma sensível comédia romantica sobre dois personagens na maturidade que estão redescobrindo a vida, utilizando o outro como espelho do mundo.

Elsa é encantadora. Carísmática, a atriz China Zorrilla - um mimo uruguaio que construíu sua carreira no cinema argentino – está novamente impagável. Mãe de dois filhos, Elsa mora sozinha em um apartamente e recebe um novo vizinho, Alfredo (Manuel Alexandre). Viúvo e com uma filha superproterora, Fred recomeça a vida para superar a morte da esposa. Mal sabe que contará com o auxílio da pouco tradicional Elsa, que além de bater no carro da filha do recém-chegado, adora contar mentirinhas sobre sua vida.

 O convite para uma bebida e a aproximação entre os dois

Aos poucos, entre um convite para uma bebida e uma observação feita pela janela, a vida desses dois senhores vão ficando cada vez mais unida, até que os dois começam a namorar, para o espanto das famílias.

E as mudanças começam. Elsa levanta a estima de Fred, tornando-o mais alegre e disposto para encarar a vida. A paixão acontece.


Há uma cena engraçadíssima, quando os dois vão jantar em um restaurante luxuoso. Após comerem bem, a conta chega e é alta. Elsa sugere que os dois saiam sem pagar, pois ninguém irá desconfiar de dois “velhinhos”. Contrariado, Fred sai de braços dados com Elsa e fogem para o carro.

Com o passar dos tempos, os sonhos se revelam: Elsa, quando jovem, parecia a atriz de “La Dolce Vita”, Anita Ekberg. Para concretizar um desejo antigo, Elsa gostaria de reproduzir a cena do banho na “Fontana di Trevi”, em Roma.


 Anita Ekberg, na cena clássica de "La dolce vita" (1960), do diretor italiano Federico Fellini

Ao descobrir que Elsa está doente, Fred decide realizar esse sonho. E o que o público vê é que a paixão não tem idade para acontecer, nem o cinema tem limites para nos surpreender.


O filme de Marcos Carnevalle (Mariscos e Mexilhões) tem um excelente enredo e um elenco escolhido a dedo, como a participação da atriz Bianca Portillo (Volver) fazendo Cuca, a filha de Fred. A fotografia e a iluminação utilizadas no filme relembram pinturas renascentistas, repletas de cor e de beleza estética. Quanto a trilha sonora, o tema “Hoy puede ser un grand día”, de Joan Manuel Serrat diz exatamente o que os personagens esperam. Além da letra, a melodia remete a um “roquinho” leve, o que dá ritmo ao tom bem humorado da história.

Elsa & Fred é um filme para assistir com toda a família e pensar em como pode ser encarado o amor na maturidade.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Conversando com Mamãe

 Cena do filme Conversando com Mamãe, de Santiago Carlos Oves
Por Alex Olobardi

As relações entre mãe e filho são incrivelmente reveladas no filme Conversando com Mamãe, do diretor e roteirista Santiago Carlos Oves, falecido em maio deste ano. Sensibilidade e um texto extremamente bem costurado oferecem ao elenco principal, China Zorrilla (de Elsa & Fred) e Eduardo Blanco (de O Filho da Noiva e Clube da Lua) a possibilidade de ampliarem a gama de emoções sugeridas no roteiro.

A trama é bastante original. Jaime (Blanco) está desempregado e sua esposa, juntamente com a sogra, decidem que a maneira de pagar a hipoteca da casa onde vivem é vender um outro apartamento deles, no qual, vive a mãe de Jaime, que no filme é chamada de “Mamá” (China). Com isso, o filho ausente resolve procurar a mãe a fim de que ela possa sair do apartamento e resolver seus problemas.



O que Jaime não esperava era descobrir verdadeiramente quem é sua mãe: uma mulher inteligente, sensível e apaixonada. Aos 82 anos, “Mamá” descobre uma nova paixão, Gregório (Ulises Dumont), treze anos mais novo e um “anarco-aposentado”, como ele mesmo se denomina. Entre passeatas, agitações, Gregório conhece “Mamá” ao descobrir, em uma árvore, a sobra de comida jogada para dar alimento aos gatos.

O enredo se desenvolve utilizando o recurso de flashbacks, com cenas de Jaime e “Mamá” quando jovens, alinhavando as conversas que acontecem no apartamento em questão. Os diálogos rememoram, na minha humilde opinião, aos de Fellini, em Noites de Cabíria, desnudando a crueza do sentimento por meio de uma dose de humor.

Cena final de Noites de Cabíria, quando a platéia confidencia a dor da personagem título
e a esperança de que tudo será diferente.

O cinema produzido nos países latinos, ao contrário do Brasil, segue padrões semelhantes ao cinema europeu, muito mais focado em contar boas histórias e usando um viés histórico e/ou político como pano de fundo. No caso desse filme, a referência está na luta pelos aposentados por melhores condições e salários dignos, abrindo o filme com uma cena dos famoso panelaços realizados na Argentina. Quanto aos ambientes do filme, cabe o destaque ao apartamento, a casa de Jaime e a uma praça. Além disso, não ha nada além da ação que acontece por meio do texto.

A forma como o personagem Jaime transita entre as possibilidades de tirar a mãe da casa são facilmente descontruídas por diálogos de uma carpintaria rebuscada e delicada, variando entre o esquecimento da personagem e a repetição de fatos. O ponto alto desse filme está no texto e nas interpretações repletas de realismo.

Conferir Conversando com Mamãe é mergulhar na intimidade entre mãe e filho, tocando nas questões delicadas do que um dia se torna a relação quando este filho tem sua nova família e, na esperança de se conhecer e reconhecer, deverá recorrer à origem de tudo. 

As fotos utilizadas para ilustrar o texto são fotos de divulgação encontradas na internet.